Incarceration Nations Network chama a atenção para situação de pessoas presas em todo o mundo com instalação de arte em grandes cidades

Incarceration Nations Network chama a atenção para situação de pessoas presas em todo o mundo com instalação de arte em grandes cidades

Idealizado pela pesquisadora Baz Dreisinger e pelo artista Hank Willis Thomas, o projeto The Writing on the Wall tem movimentado grandes cidades pelo mundo. No mês de junho, a capital estadunidense Washington foi palco do show, que acontece à noite em grandes prédios públicos, como museus e o Departamento Nacional de Justiça. Thomas projeta frases, poemas e depoimentos de pessoas presas de todo o mundo. O evento de Washington foi acompanhado por uma live, transmitida pelo Instagram do Incarceration Nations Network, que teve participação do Instituto Humanitas360. Janaina Reis, gerente de projetos do H360, comentou sobre a situação da pandemia no Brasil e nos presídios brasileiros. Assista abaixo: 

Vídeo completo no Instagram da Incarcerartion Nations Network

O H360 aproveitou para mandar algumas perguntas para Baz Dreisinger, fundadora do Incarceration Nations Network, rede internacional de projetos ligados ao desencarceramento de que fazemos parte.  “Queremos tirar o orçamento do policiamento e correções militarizados, que não nos deixam mais seguros, e investir nas comunidades, na verdadeira segurança pública, na educação, na assistência médica, em todos os tipos de necessidade das comunidades. Eu acho que essa é que é a mensagem relevante, não apenas nos EUA, mas em todo o mundo.” Assista ao vídeo abaixo:

(Transcrição da entrevista)
Você poderia explicar melhor ao público brasileiro sobre o projeto “Writing on the Wall”? Como você o concebeu?

Saudações! Eu sou o Dra. Baz Dreisinger, diretora-executiva da Incarceration Nations Network. Então, para compartilhar, o projeto “Writing on the Wall” (escritos no muro) é um projeto de 7 anos que pretende amplificar a voz daqueles diretamente afetados pelo encarceramento em massa em todo o mundo. Na nossa instalação, uma colaboração entre o INN e o incrível artista Hank Willis Thomas e várias outras organizações que nos apoiam, o que fazemos é pegar escritos, desenhos e anotações de pessoas presas de todo o mundo e projetá-los em espaços públicos. Nós fizemos isso fisicamente em algumas cidades dos EUA – fizemos no High Line Park, na cidade de Nova York, onde havia uma cabine dobrável feita de escritos de pessoas presas ao redor do mundo, para que as pessoas pudessem ler, interagir, fazer um tour com uma liderança egressa da prisão, que compartilhou suas experiências pessoais e também idéias sobre mudanças na polícia. Nós usamos isso como uma forma de elevar essas vozes, para propor um diálogo a respeito e também para elevar o trabalho de pessoas que lutam contra o encarceramento em massa em todo o mundo e nossos parceiros da Incarceration Nations Network e o trabalho incrível que eles têm feito. Atualmente o “Writing on the Wall” realiza projeções à noite em cidades dos EUA e em breve também o faremos internacionalmente, como uma forma de dizer que precisamos prestar atenção às prisões nessas crise.

 

Como está a situação da pandemia nas prisões americanas?

A Covid é uma pandemia nas prisões de todo o mundo. Aqui nos EUA temos mais de 56 mil casos nas prisões e mais de 650 mortes. E as solturas em prisões diante disso não chegam perto de serem suficientes. É fundamental que isso aconteça, estamos defendendo isso à luz da pandemia, mas também estamos defendendo isso na medida em queremos reduzir o financiamento das prisões (#DefundThePrisons). Queremos tirar o orçamento do policiamento e correções militarizados, que não nos deixam mais seguros, e investir nas comunidades, na verdadeira segurança pública, na educação, na assistência médica, em todos os tipos de necessidade das comunidades. Eu acho que essa é que é a mensagem relevante, não apenas nos EUA, mas em todo o mundo. Reduzir o financiamento de prisões, investir nas comunidades.

 

Você conhece algum país que tomou medidas sérias em relação à pandemia e à situação das prisões?

Quanto à pandemia em si, tem havido algumas ações radicais adotadas por vários países. Eu falei recentemente com um de nossos parceiros do INN na Índia e me informaram que entre 70 e 80 mil pessoas foram libertadas — isto é quase um quarto de toda a população carcerária, o que é excelente. Outros países como o Irã e a Turquia responderam na mesma linha. mas eles vão continuar a desencarcerar? Mesmo do outro lado dessa pandemia, seja como for, é fundamental que façam isso. Que eles invistam em alternativas aos programas de encarceramento também. Que eles invistam em reinserção e reintegração. Diante da pandemia temos realmente uma dupla crise. Quando a pandemia acontece, ela se torna muito difícil. Portanto, precisamos que governos de todo o mundo invistam em reinserção e reintegração, assim como em assistência médica e outros tipos de apoio e programas que evitem, em primeiro lugar, que as pessoas sejam canalizadas diretamente para as prisões. Essas são as mensagens que estamos tentando difundir com o “Writing on the Wall” em Ohio nesta sexta-feira e, na semana seguinte, na Cidade do México, e estamos ansiosos por isso.

 

A situação nos EUA, com a onda de protestos e antirracismo, realmente ecoa aqui no Brasil. No período da quarentena, a polícia de São Paulo matou em média uma pessoa a cada seis horas, na sua maioria pessoas negras. Como esta situação de racismo estrutural se conecta com o encarceramento em massa? Você enxerga semelhanças entre os dois países? 

Nós também, é claro, fazemos constantemente a conexão entre escravidão, raça, encarceramento em massa, colonialismo, imperialismo, todas essas coisas estão profundamente entrelaçadas em todo o mundo. Nos EUA, nem sequer é discutível ou controverso sabermos que o encarceramento em massa é uma linhagem direta da escravidão. Você deveria assistir ao filme “A 13ª Emenda”, caso não tenha visto, ler Angela Davis e vários outros, “A Nova Segregação” de Michelle Alexander — são textos seminais e decisivos sobre o assunto. Essencialmente, o que vemos em todo o mundo são os “outros” sendo criminalizados legalmente através da promulgação de coisas como o que chamamos de “códigos negros” nos EUA. E, portanto, eles foram enviados diretamente para o sistema prisional e isso continua a acontecer ao criminalizarmos os “outros” em todo o mundo. Este é o caso do Brasil — racialmente falando, em termos das disparidades no sistema de justiça criminal ali. Este é o caso, de fato, na Austrália e na Nova Zelândia, pensando nos aborígines. Essencialmente, todo mundo tem uma população — os romenos na Europa –, pessoas pobres em todo o Sul Global que são consideradas outras, que são criminalizadas legalmente e depois encarceradas em massa. E muitas vezes é para se tornarem força de trabalho. É importante observar que nos EUA — e isso não é uma opinião, estudos têm mostrado isso repetidas vezes — que em todas as etapas do processo de justiça criminal há discriminação racial. E afro-americanos e latinos estão dramaticamente sobrerrepresentados nessa população por esses motivos e em função do racismo sistêmico embutido em nosso suposto sistema de justiça aqui nos EUA.