O artigo a seguir, assinado pela presidente do Instituto Humanitas360, Patrícia Villela Marino, e o deputado estadual Caio França (PSB-SP), foi publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 16 de dezembro.
A recente decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinando que a Polícia Federal investigue irregularidades no repasse de R$ 72,3 milhões em emendas parlamentares federais, reacende um debate crucial para a democracia brasileira: como garantir que recursos públicos sejam aplicados com transparência e legitimidade?
Em contraste às irregularidades apontadas pelo STF, a Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial da Assembleia Legislativa de São Paulo mostra como é possível utilizar recursos públicos de maneira responsável, criteriosa e alinhada ao interesse coletivo.
Recentemente, a frente anunciou os vencedores de seu 3º Edital de Emendas. A seleção dos projetos não ocorreu por capricho político ou interesses obscuros, mas através de um conselho deliberativo composto por médicos, farmacêuticos, pesquisadores e especialistas no tema.
Esse crivo técnico estabelece uma barreira essencial contra a discricionariedade que alimenta os desvios. Já as chamadas emendas Pix, no plano federal, tornaram-se símbolo de uma prática que, quando destituída de controles adequados, perpetua os desvios que afrontam a lei e a confiança cidadã nas instituições.
O contraste é evidente. Enquanto as investigações da Controladoria-Geral da União revelam um “quadro generalizado de ilegalidades” em municípios que receberam dezenas de milhões em emendas federais, a frente parlamentar paulista, coordenada pelos deputados estaduais Caio França (PSB) e Eduardo Suplicy (PT), destinou R$ 1,25 milhão para oito projetos cuidadosamente selecionados. Não se trata apenas de uma diferença quantitativa nos valores, embora esta seja significativa, mas de uma diferença qualitativa na concepção do que significa servir ao público.
Os projetos contemplados representam instituições de reconhecida solidez: o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas conduzirá pesquisa inédita sobre Cannabis medicinal em pacientes cardiopatas; a UFSCar investigará o papel do cânhamo na agricultura sustentável; os campi da Unesp em Botucatu e Ilha Solteira desenvolverão estudos veterinários pioneiros.
Somam-se a essas iniciativas acadêmicas programas municipais em Pereira Barreto e Peruíbe, projetos sociais como o da Associação Psicocannabis, voltado à reinserção de mulheres egressas do sistema prisional, e a capacitação de profissionais pela Turma do Bem.
O que distingue fundamentalmente essa iniciativa das práticas questionadas pelo STF é a existência de um processo deliberativo robusto. A transparência, aqui, está presente em todas as etapas: edital público, critérios definidos, avaliação por pares, divulgação ampla dos resultados.
É o reconhecimento de que recursos públicos exigem escrutínio público, e que a legitimidade de uma emenda parlamentar reside não apenas em sua legalidade formal, mas em sua capacidade de responder a necessidades sociais genuínas por meio de instituições sólidas e confiáveis.
Patrícia Villela Marino, advogada, é presidente do Instituto Humanitas360.
Caio França, deputado estadual (PSB-SP), é autor da lei paulista que inclui a cannabis medicinal no SUS.
