Descriminalização do porte de Cannabis: STF traz avanço tardio e insuficiente enquanto Congresso prepara retrocesso
Nesta quarta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal decidiu pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, estabelecendo o limite de 40 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis sativa. O julgamento, que durou nove anos para ser concluído, representa um avanço tardio em relação à Lei de Drogas, que desde 2006 tem promovido o encarceramento em massa no Brasil.
Como diversos especialistas em direito e representantes da sociedade civil têm insistido, a ausência de critérios para a distinção entre usuário e traficante na Lei 11.343/2006 teve impacto brutal no sistema prisional brasileiro: de 300 mil pessoas presas em 2005, hoje são 832 mil nas prisões, segundo o Anuário de Segurança Pública. Os mais atingidos por essa política equivocada foram e continuam a ser, sobretudo, pessoas negras, jovens e periféricas.
Neste aspecto, a decisão do STF dá um passo adiante, ao estabelecer critérios objetivos para separar quem consome de quem vende a droga. Mas o “remendo” ao equívoco de 2006 é insuficiente para solucionar os efeitos da atual política de drogas, tanto aqueles do passado, que lotaram nossos presídios, como os futuros. Basta lembrar que, na nova decisão, a Cannabis segue como substância proibida, de modo que seu porte para consumo pessoal (nos limites estabelecidos) não configura mais crime, mas ainda é considerado ilícito, ou seja, passível de punições administrativas.
O entendimento a que chegou a Corte é válido até que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. E aqui começam outros problemas, já que o Senado aprovou, em abril, a chamada PEC das Drogas, que caminha na direção contrária do aprimoramento da legislação. No lugar da definição de critérios objetivos e do debate informado, optou-se pelo punitivismo penal puro e simples, inserindo na Constituição a posse ou porte de qualquer quantidade de droga como crime. O projeto segue agora para a Câmara, onde esta perspectiva regressiva também tem prevalecido.
Para Larissa Itri, consultora jurídica do Instituto Humanitas360, “tem ocorrido uma cegueira hermenêutica deliberada tanto no Congresso quanto no Supremo, uma vez que existem inúmeros estudos científicos demonstrando que a mera descriminalização não soluciona os problemas oriundos da política de drogas. Ao manter a proibição da substância, afasta-se os usuários do tratamento público multidisciplinar e fomenta o monopólio do tráfico de drogas perante o crime organizado. Embora o STF tenha caminhado para uma proposta de ‘solução’, esta ainda é ineficaz perante o atual cenário da política de drogas”.
Comprometido com a defesa de políticas de ressocialização de pessoas presas e egressas do sistema prisional no Brasil, o Instituto Humanitas360 procura promover uma discussão franca e aberta a respeito da política de drogas no Brasil e suas consequências, além de se engajar no debate a respeito dos usos medicinais e industriais da Cannabis. Neste ano, apoiamos e estivemos presentes nas audiências públicas promovidas pelo Grupo de Trabalho sobre Política de Drogas e Encarceramento, comandado pela presidente do H360, Patrícia Villela Marino, junto ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Os encontros, realizados em Brasília e em São Paulo, reuniram juristas, pesquisadores, profissionais do direito e representantes da sociedade civil para debater os rumos da legislação brasileira, sempre com base em estudos recentes.