PEC 45/2023 é retrocesso que tumultua debate público sobre drogas, escreve presidente do H360
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado no dia 13 de março, a proposta de emenda à Constituição que estabelece o porte e a posse de drogas em qualquer quantidade como crime é um retrocesso jurídico, uma abominação política e um enorme risco social. Confundindo a opinião pública com preconceitos e punitivismo penal, a medida reforça os piores instintos da guerra às drogas no Brasil, afastando ainda mais o usuário de tratamentos apropriados e lançando-os nas celas das nossas prisões superlotadas. Os alvos continuam os mesmos: a população negra, pobre e marginalizada das grandes cidades.
Hoje, a Constituição já trata como crime inafiançável e insuscetível de anistia o “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”. A PEC em discussão amplia este escopo consideravalmente, passando a considerar a posse e o porte como ato delituoso, não importando a quantidade da substância carregada. A tentativa de abrandar o texto da proposta, através de emenda que sugere reservar ao usuário penas alternativas à prisão é vaga e insuficiente, já que para distingui-lo do traficante é recomendado observar as “circunstâncias fáticas do caso concreto”. Ora, a falta de critérios objetivos está no coração do problema da atual Lei de Drogas, que, sem determinar a quantidade que separa o usuário do traficante, deixa a aplicação da lei a cargo da subjetividade policial, suscetível a históricos preconceitos sociais e raciais.
Dessa forma, os congressistas querem confirmar na Constitução Federal um erro que já existe na Lei de Drogas. A redundância e o retrocesso são evidentes, mas trata-se também de clara demonstração de oportunismo. Não é coincidência que esta PEC surja no momento em que o Supremo Tribunal Federal se aproxima de uma decisão pormenorizada para descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal – contando, inclusive, com a definição de quantidade para identificar o usuário –, em claro amadurecimento do tema.
Em reação ao STF, os congressistas se apressam para tumultuar o debate público, difundindo ideias ultrapassadas sob a fachada da “rigidez contra o crime”. Para eles, não têm importância as evidências acumuladas de que a guerra às drogas apenas aprofunda os males que promete combater. Também ignoram o impacto que a PEC pode ter sobre a saúde pública, afastando pessoas com dependência química da busca por tratamento humanizado. Contentam-se com dividendos políticos de curto prazo, às custas de toda a socidade. Não podemos permanecer calados.
Patrícia Villela Marino, presidente do Instituto Humanitas360