“Dentro da cooperativa eu me sinto livre”: retratos da primeira semana de workshop com Renato Imbroisi
Poucas vezes tanta agitação significou algo positivo dentro da Penitenciária Feminina II de Tremembé, no interior paulista. Entre os dias 11 e 15 de junho, a primeira semana de oficinas de artesanato da cooperativa que o Instituto Humanitas360 está criando ali transformou o dia-a-dia das detentas, que responderam à iniciativa com alvoroço incomum à rotina rígida do presídio. Dentro do atelier de produção, máquinas de costura alinhavavam protótipos dos primeiros produtos, bordados eram removidos dos bastidores para compor novas peças e florzinhas de lã decoravam a mesa das crocheteiras.
Ao som do hit de MC Leozinho nos anos 2000, “Se ela dança eu danço”, cantado em voz alta pelo designer Renato Imbroisi – especialista em artesanato que está capacitando as detentas – elas bordavam, cortavam, costuravam e crochetavam com a mesma alegria “de quem não se sente dentro de um presídio”, como destacou a cooperada Gisele. Desde abril deste ano, o Instituto Humanitas360 vem trabalhando na implementação dessa que é a segunda cooperativa de detentas do Brasil, e que hoje conta com mais de 30 participantes.
Durante as horas longe da cela, as presas ficam atentas ao conhecimento compartilhado pelos tutores, como a designer Cristiana Barretto, o artista plástico Paulo Von Poser e pelas voluntárias costureiras Camilla e Sônia. Com idade mais avançada que as outras detentas, Luzinete, 56, bordava flores em tecido cru com a desenvoltura de uma legítima profissional: “Nunca havia costurado… sou uma velhinha que não sabia costurar até essa semana”, conta. “Só não imaginava que aprenderia dentro de um presídio”.
O foco de atenção mudava apenas quando a presidente do H360, Patrícia Villela Marino, fazia visita às cooperadas. Flávia Maria, uma das líderes do grupo, disse: “Nós precisamos de exemplos de mulheres de sucesso e ela é um referencial, uma fonte de inspiração”. O passado dessas mulheres costuma a ser difícil. Casos de violência doméstica e abandono são comuns, bem como maus-tratos na infância, gravidez precoce e a necessidade de contribuir com a renda familiar desde a adolescência. O envolvimento com a criminalidade costuma a ser herança passada por pais, irmãos, namorados e outros familiares.
“Sou filha de uma guerreira, que foi mãe para mim e para meus filhos também”, disse Tânia, filha de um dependente químico que faleceu aos 35 anos, vítima de HIV. Ela foi surpreendida por policiais com um mandado de prisão mais de dois anos depois de ter deixado o crime. Grávida do terceiro filho, ela foi levada para a cadeia em janeiro de 2015, enquanto sua filha mais nova, Vitória, estava dormindo. “Antes de ir olhei para Vitória, dormindo, e pensei que quando ela acordasse, eu não estaria mais ali.”
Por isso, a importância da cooperativa vai além de despertar o espírito empreendedor nas detentas e capacitá-las com habilidades manuais para um futuro mais próspero. Ela faz com que os dias atrás das grades sejam menos tortuosos: “Dentro da cooperativa, me sinto livre”, disse Viviane. Muitas vêem na oportunidade a chance de recomeçar, principalmente no que diz respeito à maternidade. “Cheguei a pensar que estava tudo acabado, que seria marcada como ex-presidiária e nunca mais seria uma mãe digna de educar meus filhos”, disse Tânia. Mas desde que passou a fazer parte da iniciativa, sua perspectiva mudou: “Agora tenho garra e força de vontade para mudar minha história, lutar e vencer.”
O término da primeira semana de oficinas foi celebrado com bolo, salgadinhos e refrigerante, algo que boa parte das presas não saboreava há anos. Apenas um ritual de encerramento, mas que proporcionou um breve sabor de liberdade. Esta que passa a ser ainda mais desejada com a promessa de dias mais prósperos, longe da criminalidade e perto de quem elas nunca quiseram deixar.