Artigo: “Sem propostas para a segurança pública, Senado troca a Lei pelo populismo penal”
Por Patrícia Villela Marino
Para quem se dedica a pensar os problemas da sociedade e a trabalhar em prol de sua melhoria, uma máxima precisa ser seguida: não existe solução fácil para problemas complexos. Diante da crise na segurança pública brasileira, o Congresso Nacional ignora essa ideia elementar e abraça o populismo penal.
A vítima mais recente desse tipo de postura, que aposta todas as suas fichas no punitivismo midiático, são as saídas temporárias de pessoas presas, conhecidas como “saidinhas” ou “saidões”. Previsto na Lei de Execução Penal, o mecanismo de ressocialização foi restringido pelo Senado Federal até o ponto de sua descaracterização, em projeto de lei que volta agora para a Câmara dos Deputados.
Sem propostas para o impasse na segurança, este grupo de senadores parece disposto a passar por cima da Constituição, da pesquisa acadêmica e dos direitos humanos para oferecer à sociedade uma resposta superficial e espetaculosa, convertendo preconceitos históricos em política pública. Ignoram também o trabalho de colegiados como o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que atualmente integro.
Vinculado ao Ministério da Justiça, o CNPCP elaborou em 2023 o indulto de fim de ano, em seguida aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Digo com orgulho que colaborei, com este time de juristas e pesquisadores comprometidos, para a formulação de um texto equilibrado e ancorado na Constituição – e que, sem confundir garantias com benevolência, também não faz concessões para o discurso fácil do conservadorismo penal.
Os senadores que hoje se voltam contra as saídas temporárias elegem casos graves e infelizes, como aqueles explorados à exaustão nas redes sociais e em parte da imprensa, e transformam essas exceções (que podem e devem ser analisadas com rigor) em regra. O benefício se torna o grande vilão a ser combatido, ao mesmo tempo em que se ignora o potencial de transformação que pode ter na vida de pessoas que tentam retomar a sua cidadania.
A saída temporária está inserida numa lógica de reinserção gradual de pessoas presas à sociedade, de acordo com a progressão do regime que cumprem. Como prevê a LEP, o benefício pode ser autorizado para quem se encontra em regime semi-aberto com finalidades específicas: visitar a família, estudar e participar de atividades “que concorram para o retorno ao convívio social”. Também existem condições que devem ser observadas, como bom comportamento, e limites impostos, como a revogação automática no caso de crimes cometidos no período.
O cumprimento de pena não pode ser o final da vida de uma pessoa. Trata-se de uma circunstância transitória. E como não temos prisão perpétua no Brasil, as pessoas presas precisam ser preparadas para sair – melhores e em condições de reconstruírem suas vidas com autonomia. Garantir que esse retorno aconteça da melhor forma possível é responsabilidade do Estado e de toda a sociedade.
Como presidente do Instituto Humanitas360, organização que trabalha pela redução da violência e pela promoção da cidadania de populações vulneráveis, sobretudo no sistema prisional, vejo em primeira mão o potencial das saídas temporárias. Falo de mulheres que hoje estão em liberdade, trabalhando e cuidando de suas famílias.
Quando estavam presas, elas receberam do instituto um atendimento multidisciplinar, formado por orientação jurídica, acompanhamento psicossocial e capacitação profissional. Quando autorizadas a sair temporariamente, elas abraçaram o benefício como uma oportunidade de estreitar laços pessoais e profissionais. Esta foi uma etapa indispensável da vida que hoje, livres, elas continuam a construir, dia após dia, de volta à sociedade.