A pandemia revela formas sistêmicas de desigualdade, diz curador Pedro Alonzo
Pedro Alonzo é curador independente de arte e agora o mais novo conselheiro do Instituto Humanitas360. Estudioso de obras potentes que questionam a violência, o encarceramento em massa e a xenofobia, Alonzo conversou com o H360 sobre como a arte pode ajudar a engajar cidadãos e a pensar o recrudescimento de ideologias radicais, especialmente num período tão difícil como o de uma pandemia. “Eu vejo a pandemia como reveladora dos efeitos de formas sistêmicas de desigualdade e liderança política mal orientada. O aumento do nacionalismo, do populismo e da eleição de maus líderes é uma conseqüência do descontentamento global alimentado pela desigualdade”, afirma na conversa. Para o futuro, ele vê um possibilidades de produção de um trabalho mais colaborativo e multidisciplinar com outros colegas. Leia abaixo.
Seu trabalho é obviamente preocupado com questões sociais, de modo que não poderíamos começar essa conversa sem falar sobre a pandemia do coronavírus. Uma vez que você e seu trabalho enfocam bastante a apreensão climática, questões imigratórias e a presença crescente do nacionalismo e do populismo, como você enxerga esta crise de agora?
Ótima pergunta. Eu vejo a pandemia como reveladora dos efeitos de formas sistêmicas de desigualdade e liderança política mal orientada. O aumento do nacionalismo, do populismo e da eleição de maus líderes é uma conseqüência do descontentamento global alimentado pela desigualdade. Uma população alarmada e mal informada, que se sente enganada por uma elite corrupta, está votando para fortalecer uma crescente cultura de medo que envolve chefes de Estado populistas. Lideranças políticas que prometem mudança, que quando eleitos subvertem a autoridade de instituições como o sistema judicial e a credibilidade da grande mídia para consolidar o poder. Infelizmente, isso ocorre em um momento em que instituições fortes, informações confiáveis e cooperação internacional são cruciais para enfrentar os desafios globais. A pandemia comprova que as políticas isolacionistas de muitos líderes eleitos estão mal equipadas para lidar com o coronavírus e com as mudanças climáticas. Os países devem trabalhar juntos e para além de suas fronteiras a fim de enfrentar esses desafios globais. No entanto, conquistar a confiança do público é complicado quando um grande segmento da população se sente enganado por líderes empresariais e políticos, pois os fundos públicos são com frequência mau gastos ou roubados e a riqueza criada se concentra nas mãos de poucos. A complexidade da situação é agravada pela desinformação desenfreada e a prevalência de câmaras de eco de informação. O público, os políticos e os líderes empresariais ouvem o que querem.
Como a arte pode ajudar a engajar os cidadãos?
De um modo geral, falta aos especialistas a habilidade de falar de forma convincente com indivíduos fora de seu campo de especialização. Eles com frequência são impedidos de criar uma narrativa convincente ao ter de provar seu argumento com fatos penosos e/ou ciência. Artistas em geral não precisam provar suas ideias, eles podem criar narrativas atraentes que chamam a atenção para os problemas ou que vislumbram resultados desejados ao humanizar o problema. “1984”, de George Orwell, é um excelente exemplo de obra literária que revela os perigos da tecnologia e de regimes autoritários. Eu faço o meu melhor trabalho quando reúno os parceiros certos, como um especialista nos fatos e o artista capaz de criar uma narrativa atraente e compreensível para o público geral. Essa é uma combinação vitoriosa que com frequência pode ultrapassar câmaras de eco de informação e noções preconcebidas.
A percepção do trabalho que você fez até agora mudou com essa situação de pandemia? “Amnesia Atómica”, por exemplo, poderia sempre ser reinterpretado com os olhos no presente. Agora ela nos lembra dos riscos e dos benefícios de discursos científicos…
Embora a pandemia tenha renovado amplamente o respeito por especialistas e dados, o medo e a incerteza também produziram desinformação e teorias da conspiração. A falta de mensagens claras de líderes torna mais fácil para o público ouvir o que eles querem ouvir. Eu comecei a trabalhar com Pedro Reyes e o Boletim de Cientistas Atômicos antes do início da pandemia. No início deste ano, em conversa com Rachel Bronson, presidente do Boletim, eu apontei os desafios que especialistas costumam ter na criação de narrativas convincentes que o público possa apoiar. Rachel respondeu que, apesar do desafio de falar com um público mais amplo, especialistas têm os fatos e um profundo conhecimento, o que é crucial para avançar e agir com embasamento. A fala dela me fez perceber que a combinação dos fatos fornecidos por especialistas e a narrativa convincente feita por pessoas criativas – como artistas, escritores ou cineastas – é uma combinação vitoriosa. Os comentários de Rachel revigoraram meu desejo de trabalhar com especialistas e artistas. A pandemia reforçou meu interesse em desenvolver projetos multidisciplinares, apesar do desafio de levar pessoas, artistas ou especialistas, a trabalhar fora de suas zonas de conforto.
5 obras que lidam com questões sociais, escolhidas por Pedro Alonzo:
1 – JR – Picnic Border, sobre imigração nos Estados Unidos e México
2 – Doug Aitken – New Horizon, apreensão quanto ao futuro incerto
3 – JR – Kikito, sobre imigração nos Estados Unidos e México
4 – Sam Durant – Labyrinth, sobre encarceramento em massa
5 – Pedro Reyes – Amnesia Atomica, sobre a ameaça atômica