Cânhamo pode colocar o Brasil no caminho da revolução verde

Cânhamo pode colocar o Brasil no caminho da revolução verde

Artigo publicado originalmente na revista Vidi, edição 05, agosto/2020.

Por Patrícia Villela Marino e Marcelo de Vita Grecco

 

A maior dificuldade enfrentada pelo Brasil em 2020 é a trágica perda de milhares de vidas em meio à pandemia do novo coronavírus. Porém, outros problemas, já enfrentados há alguns anos, ganharam dimensões maiores. A Covid-19 deixa também um rastro severo de crise econômica. Além disso, o frequente aumento do desmatamento e evidências de enfraquecimento das políticas ambientais colocaram o País sob pressão de governos e investidores internacionais. De fato, o caos na saúde faz quase todos os países sofrerem na economia e muitos também possuem degradação ambiental acentuada. No entanto, poucos possuem condições naturais e técnicas ideais para impulsionar uma nova atividade econômica promissora e sustentável. O Brasil tem essa possibilidade, com o cultivo e criação de um ecossistema de mercado em torno do cânhamo.

O cânhamo ou hemp, como é conhecido internacionalmente, é uma espécie da cannabis sem qualquer princípio psicoativo, pois contém, no máximo, 0,3% de tetrahidrocanabinol (THC), substância responsável pelo “barato” obtido com o uso adulto da maconha. Esse é o caso, por exemplo, de todas as variedades da Cannabis sativa L, autorizadas pelo catálogo da União Europeia. Esclarecer e difundir esse ponto é extremamente importante para que, tanto a sociedade quanto os governantes possam debater a legislação e marcos regulatórios para o cultivo da planta de forma adequada.

Absolutamente tudo do cânhamo pode ser aproveitado, incluindo, até mesmo, resíduos oriundos da colheita e de seu processamento. Sob a ótica da sustentabilidade, a produção do cânhamo demanda menos insumos do que a maioria das outras culturas de fibras. Água e defensivos agrícolas são usados em doses baixas e metade da fertilização necessária é natural. Isso levando em conta o plantio ao ar livre ou em estufas. Afinal, não faz sentido legalizar ou, sequer, considerar o cultivo interno do cânhamo, já que a planta não oferece nenhum risco. Essas vantagens são expressivas, mas não param por aí.

O cânhamo tem forte poder de neutralização de carbono. Em comparação, um hectare da planta pode capturar até 13,4 toneladas de CO2, potencial similar ao da mesma área de floresta tropical. Usado como cultura de captura, o cânhamo melhora o rendimento de culturas subsequentes e restaura a saúde do solo.

Aliás, o sistema radicular do cânhamo permite à planta atuar na fito remediação e fito extração em meios terrestres e aquáticos. Ou seja, exerce papel de purificação de contaminações por metais pesados e outros elementos químicos. Apenas para exemplificar esse potencial, há experiências de cultivo em solos da região de Chernobyl, na Ucrânia, para remoção de contaminantes perigosos do pior acidente nuclear da história.

Abordando uma perspectiva correlacionada, de aliar fortalecimento econômico e sustentabilidade, o cânhamo também oferece grandes possibilidades. Suas fibras podem originar energia verde, ou seja, limpa, sustentável e confiável, ajudando a diminuir a dependência de combustíveis fósseis. Sua biomassa de alto rendimento propicia alternativa renovável para a produção de biocombustíveis. Além disso, o aproveitamento de resíduos das colheitas das plantas poderia favorecer muito a disponibilidade universal dessa fonte de energia durante o ano todo, com preços acessíveis.

Na construção civil, também há opção mais sustentável com o concreto de cânhamo, também conhecido como hempcrete. Fibras da planta misturadas com calcário em pó e água geram um concreto leve, forte e não tóxico para paredes, tetos e pisos. O material natural e respirável proporciona ótimo controle térmico e de umidade, sem emissão de gases venenosos ou utilização de solventes.

Ademais, o mundo verá crescimento exponencial na utilização de bioplásticos à base de cânhamo nos próximos anos. O composto biodegradável pode ter aplicações em embalagens, impressão 3D e, até mesmo, na indústria automobilística. Recentemente, a Porsche desenvolveu um modelo de carro de corrida com carroceria à base de fibra de cânhamo.

Ao todo, temos cerca de 25 mil possibilidades de produtos para o cânhamo, nos mais diversos segmentos, incluindo têxteis, papel, cordas, tinta, alimentação animal, alimentos e suplementos alimentares, cosméticos e preparações medicinais. O mercado dos Estados Unidos já movimenta mais de US$ 1 bilhão por ano e está em franco crescimento, com destaque para produtos de cuidados pessoais, aplicações industriais, setor alimentício e indústria têxtil, além do uso medicinal do canabidiol.

Promover produção e acesso a fontes de energia renováveis, seguras e eficientes, bem como aumentar a utilização de matérias primas que permitam a conservação do meio ambiente e reduzam o desperdício estão no cerne das urgentes metas de desenvolvimento sustentável para 2030. A criação do mercado em torno do cultivo e processamento do cânhamo vai ao encontro desses propósitos. Com condições climáticas ideais e imenso potencial agrícola, o Brasil pode abrir novos horizontes, criando um exemplo a ser seguido globalmente.

Diversos países já estão abraçando a revolução verde do cânhamo. Porém, o Brasil claudica em discussões legislativas ainda marcadas por preconceitos e muita desinformação. A sociedade brasileira tem a chance de iniciar um novo caminho de prosperidade. E nosso meio ambiente a possibilidade de contar com uma atividade produtiva amigável. Qual rumo vamos seguir?

Marcelo de Vita Grecco é co-fundador e head de desenvolvimento de negócios na The Green Hub. Patrícia Villela Marino é presidente do Instituto Humanitas360 e co-fundadora do CIVI-CO, comunidade de empreendedores sociais.