Carta sobre o coronavírus e atuação do Instituto Humanitas360
Caros amigos, parceiros, membros do conselho e apoiadores do nosso trabalho,
A COVID-19 não é a doença mais letal que a humanidade já combateu, mas é única em sua capacidade de expor vulnerabilidades da sociedade contemporânea. Desde sistemas de saúde pública sobrecarregados, passando por economias dizimadas, até à disseminação pouco fiável de informações vitais, esta pandemia causou e revelou um conjunto de desafios sem precedentes que só podem ser enfrentados através de uma reação rápida, universal e disciplinada por todo o mundo. A paralisia, a negação e o medo não nos levarão a lado nenhum.
De certa forma é curioso que este surto ocorra nas semanas que antecedem a Páscoa, a celebração anual judaica do êxodo dos israelitas da escravidão no Egito durante os tempos bíblicos.
Como conta a história, nos dias que antecederam a libertação dos israelitas, uma série de pragas acometeram o povo egípcio. Na noite da décima e mais terrível praga – a morte de todas as crianças primogênitas – os israelitas conseguiram evitar esse destino, seguindo instruções específicas que lhes foram transmitidas por seus líderes. O que se seguiu foi a mobilização em massa de todo um povo para a libertação da escravidão.
É claro que o Antigo Testamento está longe de ser um paralelo direto para os problemas que enfrentamos hoje. Mas ao contar a história, podemos colher lições importantes, como a relação simbiótica entre uma liderança forte e confiável e uma cidadania ativa e engajada.
Quando líderes e comunidades se unem para agir pelo bem coletivo, através do sacrifício compartilhado por um único objetivo, eles podem alcançar coisas extraordinárias, e superar até mesmo os maiores desafios.
Na Humanitas360, nosso trabalho se concentra em levar o envolvimento cívico a todas as partes de nossa sociedade, mesmo aquelas muitas vezes esquecidas na consciência da população. Um de nossos programas, “Empreendedorismo Atrás e Além das Grades”, trabalha com os presos atuais e ex-reclusos para fornecer-lhes as ferramentas para iniciar negócios e ganhar a vida uma vez que saiam da prisão. Assinamos, em março, um ofício com a Rede de Justiça Criminal endossando as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Recomendação 62/2020 pedindo a aplicação de regime domiciliar a pessoas presas por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça; o aumento de tempo de banho de sol e pátio, já que as celas são mal ventiladas e o contato com o sol aumenta a imunidade, além da garantia de produtos básicos de higiene e limpeza para prevenção da disseminação do novo coronavírus. O ofício, que elenca mais uma série de outras medidas que podem auxiliar o espalhamento menos rápido da doença, foi enviado a secretarias de administração penal de todos os estados brasileiros e Distrito Federal.
Também temos trabalhado, junto ao CNJ, na viabilização de medidas efetivas para educação em relação ao contágio do vírus para funcionários penais e pessoas que cumprem medidas sócio-educativas e privadas de liberdade.
Infelizmente, o nosso acesso à Unidade Prisional Feminina de São Luís (UPFEM), onde estávamos começando a criação da nova cooperativa social para mulheres presas, a Cuxá, foi temporariamente interrompido como medida de precaução em relação às cooperadas. Tragicamente, as populações de presos estão entre os grupos de maior risco para a COVID-19, como resultado do fechamento e das más condições sanitárias. Esta ameaça aumenta a carga esmagadora – e o perigo real – da luta diária atrás das grades.
Ao nos reunirmos como uma comunidade global para combater este vírus, estes presos são um lembrete de que as únicas soluções verdadeiras para as nossas questões mais prementes são aquelas que não deixam ninguém para trás. E alcançar a libertação como uma comunidade unida – como os israelitas fizeram há séculos – requer um envolvimento ativo em todos os níveis dessa comunidade.
Patrícia Villela Marino, presidente do Instituto Humanitas360