Conferência reúne especialistas em busca de responsabilidade social no mercado de cannabis medicinal

No início de março, a conferência Cannabis Thinking, realizada pela The Green Hub, reuniu especialistas em diversas áreas do mercado da cannabis medicinal: de investidores, como Alex Lucena, empreendedor em mercados de inovação, ao médico Stevens Rehen, da UFRJ, pesquisador do Instituto D’Or, que investiga o potencial terapêutico de derivados de cannabis em tecidos cerebrais replicados em laboratório, além de advogados, donos de associações e representantes políticos. O evento foi realizado no CIVI-CO, pólo de impacto social que abriga o Instituto Humanitas360 e diversas outras empresas de impacto social, e recebeu o chairman do H360, Fernando Henrique Cardoso, e a presidente do instituto, Patrícia Villela Marino. 

A regulamentação aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que permite a comercialização no varejo (em farmácias, por exemplo) de produtos derivados da cannabis entrou em vigor em março no Brasil. A liberação, no entanto, não permite que haja plantio para fins medicinais no país, o que deve encarecer o acesso aos medicamentos. Esse foi o contexto da discussão realizada no Cannabis Thinking: embora reconheçam o avanço que houve, a maior parte dos especialistas vê a medida como um primeiro passo e pede novas ações para a expansão do setor com responsabilidade social. 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que fez a fala de abertura do evento, lembrou que a posição do seu governo, nos anos 90, mudou radicalmente após conversas e pesquisas. “Ao ouvir especialistas de todo o mundo houve uma mudança de postura e um reconhecimento de que a discussão pública seria mais produtiva do que a ‘guerra às drogas’. É preciso ‘quebrar o tabu’ e deixar que as pessoas discutam. Cada um tem que se convencer do que é bom ou ruim e cabe ao governo fazer campanhas explicatórias”, afirmou. 

Em sua fala, a presidente do H360 relembrou de momentos em que o Brasil foi pioneiro em políticas de saúde pública: casos como o da epidemia de HIV/Aids nos anos 90 e da Lei dos Genéricos, de 99. No caso da epidemia de HIV/Aids, a coordenação do Estado brasileiro com agências reguladoras, Sistema Único de Saúde, cidadãos organizados que lutavam por políticas de fornecimento de medicamentos e pacientes foi crucial para interromper uma escalada de pessoas doentes, por exemplo. Já a Lei dos Genéricos permitiu que a população tivesse acesso a produtos com uma economia de mais de 30%, garantindo maior possibilidade de obtenção de tratamentos para doenças crônicas como a diabetes e a hipertensão.  Desta vez, destacou Patrícia, o Brasil tem a oportunidade de liderar um mercado da cannabis medicinal que tenha desde o princípio responsabilidade social e inclua estes pais e associados pioneiros que lutam há muitos anos pelo direito a uma medicação para seus filhos. 

O advogado Emílio Figueiredo, sócio do escritório Maciel & Figueiredo Advogados e voluntário na reforma da política de drogas desde 2009 defende que haja uma ampla discussão sobre a legislação da cannabis no Brasil e que ela possa ser realizada de maneira inclusiva. Ele lembrou que em países como o Canadá e estados americanos como o Colorado e a Califórnia ainda há uma parte do mercado que atua ilegalmente ou numa espécie de “zona cinzenta”. “A regulação foi mal feita, foi feita de maneira excludente e elitista. Foi direcionada a certo público privilegiado e com dinheiro. A gente precisa olhar os vários modelos do mundo e os experimentos de políticas públicas para ver onde falharam, aprender com isso e trazer propostas que incluam quem já está no mercado – associações que já fornecem isso aqui no país, cultivadores que comercializam em seus bairros. É preciso ver que regras adequar para a prática social já existente”, defende. 

O professor da UFRJ e pesquisador do Instituto I’dor Stevens Rehen destacou que os estudos que ele e sua equipe realizam com diversas substâncias de potencial terapêutico – dentre elas, derivados de cannabis – em células do cérebro reproduzidas em laboratório mostram efeitos práticos dessas medicações para crianças com epilepsia, idosos com alzheimer e outros pacientes. A experiência científica recomenda que haja uma aplicação personalizada, ajustável às necessidades de cada paciente. 

Para o deputado Paulo Teixeira, do PT, que esteve no evento representando a comissão especial sobre medicamentos formulados com cannabis sativa (PL 399/15) da Câmara dos Deputados, há uma surpresa nos trabalhos da equipe: políticos de diversos espectros ideológicos têm se mostrado a favor da regulamentação do plantio seguro e rastreável para finalidades medicinais e da indústria (na área de cosméticos, alimentação, pet), além do uso científico e medicinal. “A Anvisa fez uma regulamentação que dá um passo, mas é limitada porque impediu o plantio. Hoje em dia há formas muito seguras de permitir essa produção, com câmeras, proteção e rastreamento.”

Veja depoimentos de diversos participantes do evento: